Por Rosângela Cafasso
A série Arte Urbana em Guarulhos convidou artistas visuais grafiteiras da cidade e região para falar sobre a cena do grafite sob o olhar feminino
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Aquarela “De peito aberto”, autoria: Anegadoleite. Crédito: arquivo pessoal |
Para abrir a série deste ano, a artista Érica, conhecida pelo vulgo “Anegadoleite”, compartilhou suas experiências e vivências nesta arte.
Anegadoleite conta que o apelido surgiu a partir de suas vivências na infância, quando sua avó e tia a comparavam com a "nega do leite" por causa do seu jeito falador. Segundo ela, "elas diziam que eu falava mais que o homem da cobra e a nega do leite".
Anegadoleite lembra que um dia a amiga de sua mãe perguntou o que ela queria ser quando crescesse e ela imediatamente mostrou seu lado artístico, dizendo que "gostava de desenhar". Na fase adulta, a artista buscou formação e cursou a graduação em Moda com o auxílio do Programa Universidade para Todos (PROUNI). Durante o curso, ela conheceu uma artista grafiteira que a apresentou à arte do grafite. Nessa época, Anegadoleite trabalhava na loja Maria Loka, localizada na região central de Guarulhos. A loja era frequentada por artistas do grafite, o que lhe proporcionou a oportunidade de conhecer pessoas cada vez mais envolvidas nessa cena.
“Na loja conversava com todos os grafiteiros e todos falavam para que eu criasse um personagem com identidade”.
“A personagem falava da poesia e das artes e assim surgiu Anegadoleite”.
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Primeiro grafite da Anegadoleite - Muro da FMU - Liberdade, São Paulo - SP. Imagem: Arquivo Pessoal |
Em meados de 2014, a artista decidiu buscar uma nova graduação e estudou Artes pela FMU/Vergueiro, lembrando com carinho do Professor Chuck, que a introduziu de vez na arte do grafite. O professor levava para suas aulas vivências com grafite e os alunos aprendiam sobre a arte enquanto criavam obras nos muros da faculdade. Foi nesse momento que Anegadoleite entrou no meio da roda e, nessa experiência, pode vivenciar a arte do grafite.
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Morro do Alemão Rio de Janeiro-RJ. Imagem: arquivo pessoal. |
E assim, a artista adentrou a cena urbana e começou a colorir muros por onde passava. Anegadoleite levou sua arte para várias regiões do país, criando grafites e arte com lambe em cidades como Salvador, Florianópolis e Rio de Janeiro.
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Bogotá - Colômbia. Imagem: arquivo pessoal |
E por onde passava, a artista deixava sua arte e já grafitou fora do país.
“Em todos os países que passei sempre deixava uma arte. Já deixei arte em Bogotá (Colômbia), Argentina e recentemente, fiz duas artes em Miami”.
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Arte lambe lambe La Bombonera - Argentina. Imagem: arquivo pessoal. |
“A arte por mais que seja aceita, ainda rola um preconceito!”
Após a experiência negativa, Anegadoleite passou a trabalhar com grafite comercial e também em ações coletivas. Foi durante esse caminho que conheceu o artista Célio, com quem começou a grafitar escolas e realizou um trabalho visual no CEU Pimentas.
“O homem tem mais espaço neste meio”, comenta Anegadoleite.
Anegadoleite conta que o seu maior sonho é fazer um empena (parte lateral de prédios) em Guarulhos ou participar de uma ação como essa na cidade. Ela destaca que a cidade ainda não possui arte grafite em empenas, como é possível ver na capital, e faz uma sugestão muito relevante:
“Se um dia Guarulhos receber uma arte numa empena, que esta seja feita com a colaboração de vários artistas grafiteiros e grafiteiras, homens e mulheres, índios, pretos, todos juntos realizando o mesmo trabalho como forma de representar a diversidade na cena”.
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Arte de autoria da Anegadoleite, quarto de hotel em Ilha Bela - SP. Imagem: arquivo pessoal. |
Durante a pandemia, Anegadoleite observou que mais mulheres estavam se destacando na cena do grafite, muitas delas realizando trabalhos em empenas na capital. Ela acompanhava o trabalho dessas artistas pelas redes sociais e, por meio de uma delas, conseguiu contatos com hotéis do litoral. Assim, levou sua arte para Ilhabela.
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Artes da grafiteira Anegaleite na rede de Hotéis Selina - Miami (EUA). Imagem: arquivo pessoal |
A partir do trabalho em Ilha Bela, novas oportunidades surgiram e Anegadoleite levou sua arte para Miami (EUA), a artista grafitou um hotel nesta cidade.
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HQ “Todos os Dias”, história de Cléo e Zac de autoria da artista Anegadoleite. Imagem: Instagram. |
Além da arte grafite, Anegadoleite é ilustradora, um processo que surgiu naturalmente. Durante o período da pandemia, a artista lançou desafios para seus seguidores no Instagram: “quem você quer que eu desenhe?”.
E através dos desafios, a Anegadoleite criou vários personagens com heróis e conta que através desta experiência, o que mais chamou a sua atenção foram os pedidos, na maioria, para criar personagens com representatividade negra.
Refletindo sobre o fato, a artista criou sua própria HQ para falar sobre o cabelo afro através de cenários que trouxeram elementos do cotidiano.
“O HQ conta a história de duas crianças negras que encontram um colibri muito curioso, elas ensinam ele sobre a ancestralidade que carregam em seus lindos cabelos. Todos os personagens possuem características próprias e do cotidiano, o pai é cabeleireiro e portador de vitiligo, ele quem cria os penteados afro nas crianças, a avó paterna é índia e a mãe, preta, personagens que trazem mais representatividade (..) pensei em elementos bem reais da periferia, inspirado na minha vida".
Na HQ “Todos os dias”, a artista traz uma narrativa envolvente e ilustrações mesclam cores suaves e permite mais destaque aos personagens, o HQ traz elementos do cotidiano, como as casas do bairro e a casa que com referências do bairro e sua identidade. Com o sucesso, Nega participou da Comic Con Experience, a CCXP, em 2022.
Anegadoleite também é professora de Grafite na Fundação “Gol de Letra” e realiza trabalhos em “Saúde Mental”, atendendo diversos públicos. Acompanhe seus trabalhos através do perfil no Instagram: @_anegadoleite.
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