Foto do espetáculo “Uma Leitura dos Búzios” – foto Tiago Lima |
Das cantigas do sagrado ao corpo cênico que pulsa. Um mergulho
na história do Brasil nos leva ao levante popular baiano conhecido como
Conjuração Baiana, Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios. O movimento é
inspiração para o espetáculo “Uma Leitura dos Búzios”, que nos meses de março e
abril ganhará novos palcos nas unidades do Sesc em Guarulhos (25 e 26/3),
Jundiaí (31/3 e 1/4), Piracicaba (14 e 15/4) e Bauru (28 e 29/4).
Idealizado pelo Sesc São Paulo, no âmbito do
Bicentenário da Independência do Brasil em 1822, “Uma Leitura dos Búzios” traz
como proposta a discussão e contextualização a respeito desse movimento popular
baiano. Além disso, confronta-o com o Brasil contemporâneo, por meio de temas
como a independência, a democracia e as sementes e frutos da política e
economia colonialista, bem como o legado delas na formação das desigualdades
sociais, especialmente sobre o racismo e a manipulação da história.
“Convocados pelos ecos da história, optamos
em conceber um espetáculo teatral que envolvesse e revelasse o racismo, a
diversidade, outras independências. Que trouxesse o sabido e, também, o
silenciado. Para tal, convidamos um trio: o diretor Marcio Meirelles, a
diretora de movimentos Cristina Castro e o diretor musical João Millet
Meireles. A eles se juntaram profissionais diversos, vindos por chamamentos
públicos e por convites, sempre acompanhados de nossas equipes, também
diversas”, comenta Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo.
Com texto de
Mônica Santana e encenação de Marcio Meirelles, o espetáculo é uma narrativa
musical, coreográfica, videográfica e textual, com a palavra em coro, na qual todas
essas linguagens se entrelaçam num discurso único. A forte presença da música
percussiva e eletrônica traz uma verdadeira centrífuga sonora de sons
afro-brasileiros para o palco, incluindo canções compostas por Jadsa e João
Milet Meirelles (que também assina a direção musical do espetáculo).
A peça traz uma abordagem disruptiva sobre as questões da
desigualdade racial no Brasil, a partir de um acontecimento de 1798, em que
várias camadas sociais estiveram envolvidas, mas pelo qual somente os negros e
pobres foram punidos e mortos. São 30 artistas simultaneamente em cena,
apresentando uma visão crítica sobre os reflexos do colonialismo e do que foi a
escravização no Brasil.
O espetáculo entrega uma forte presença da
música percussiva e eletrônica. Já a movimentação física e coreográfica dos
atores, dirigidas por Cristina Castro, fortalece essa percepção de
coletividade, incorporando elementos da dança contemporânea, de rua e
afro-brasileira, reforçadas por imagens virtuais, num vídeo criado por Rafael
Grilo que compõe o cenário da montagem.
De acordo com o encenador Marcio Meirelles,
“Uma Leitura dos Búzios” não tem a pretensão de recontar a história do que foi
o levante e sim tê-la como parte do processo de reflexão do que vivenciamos e
herdamos. “É um discurso em que as personagens se fortalecem numa voz coletiva:
os personagens surgem como corifeus de um grande coro. O texto conduz a um
conjunto polifônico, seguindo uma perspectiva do que foi a própria conjuração.
Grupos sociais plurais trouxeram suas próprias agendas para o embate e isso se
expressa na encenação. O espetáculo faz ver e conhecer essa história passada,
tomando posse das informações para compreender e agir sobre o presente. A forma
e conteúdo da dramaturgia e da montagem anunciam e denunciam as dinâmicas de se
contar e disputar a história do Brasil”, conta Marcio Meirelles.
O texto
apresenta elementos épicos, traçando um olhar para a Revolta dos Búzios daquele
distante século XVIII, cujas agendas de igualdade, liberdade e vida digna ainda
reverberam no presente século XXI. Uma Leitura dos Búzios coloca em cena 27
atores e três músicos de diferentes regiões do Brasil, gerações e trajetórias,
o que reforça a diversidade na montagem.
Processo e construção
Em julho de
2022, o Sesc São Paulo abriu inscrições para o processo de criação de um
espetáculo de teatro musical sobre a Conjuração Baiana, também conhecida como
Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios. A proposta, criada pelo Sesc São
Paulo, com direção de Marcio Meirelles, tem o intuito de promover uma discussão
a respeito do levante histórico baiano, por meio de temas como o racismo e o
apagamento da história do povo negro no Brasil, da democracia e das
desigualdades sociais.
Foram 547
inscritos no total. Desses, 120 pessoas foram selecionadas e divididas em 4
grupos. Então, entre 16 e 26 de agosto de 2022, participaram de oficinas
conduzidas por Alysson Bruno (percussão), Roberta Estrela D’Alva (voz e gesto),
Eliseu Correa (dança urbana) e Tainara Cerqueira (dança afro). Todas as
oficinas foram acompanhadas pelo diretor e equipe técnica.
A partir
dessas atividades, foram escolhidos 17 integrantes, que junto com outros 10
artistas convidados, hoje fazem parte do elenco do espetáculo. Toda a condução
do processo foi do Marcio Meirelles, encenador, dramaturgo, cenógrafo e
figurinista, diretor do Teatro Vila Velha de Salvador e da Cia. Teatro dos
Novos (BA), com a colaboração de Cristina Castro e João Milet Meirelles.
Compõem a
equipe artística: Monica Santana, Gustavo Melo Cerqueira, Rafael Grilo, Adriana
Hitomi, Grissel Piguillem. O elenco é composto por: Amaurih Oliveira, Angélica Prieto, Arara Xestal, Cainã
Naira, Chica Carelli, Clara Paixão Sales, Clara Torres, David Caldas, Ella
Nascimento, Emira Sophia, Igor Nascimento, Jackson Costa, Jhonnã Bao, Júlio
Silvério, Loiá Fernandes, Lucas Tavlos, Lúcio Tranchesi, Marinho Gonçalves,
Mario Alves, Nara Couto, Rafael Faustino, rodrigo de Odé, Sofia Tomic, Vagner
Jesus, Vinícius Barros, Vinicius
Bustani. Com a participação de Virgínia Rodrigues. A música ao vivo é executada por
Caio Terra, Giovani Di Ganzá e Raiany Sinara.
A musicalidade em cena
O trabalho sonoro e musical de “Uma Leitura
dos Búzios” foi estabelecido desde o início do projeto com raízes e referências
na tradição e na contemporaneidade da música negra brasileira e bahiense. Tem
como pilares principais as músicas de santo dos candomblés Congo/Angola, Jeje e
Ketu; a musicalidade dos blocos afro e a música negra contemporânea. Mas
principalmente a percepção de que todas as sonoridades presentes coabitam o
mesmo tempo de agora.
Com a participação de Virginia Rodrigues,
Nara Couto e Jadsa, o espetáculo tem - em sua maioria - músicas autorais. As
exceções são apenas as músicas de tradição banto trazidas por Virgínia. Alguns
nomes como: o Ilê Aiyê, Olodum, cantigas de santo que estão em formato
fonográfico e trazidas pelos colaboradores, Saskia, Edgar, Speed Freaks, Black
Alien, Baiana System, Taxidermia e tantos outros foram referencias para a
construção musical deste espetáculo.
“É delicado o trabalho de olhar para nossa história através da música,
da cena. É minucioso o trabalho de entendimento do sangue e corpos que forjaram
nosso povo. Nossa condição. Nosso chão. Quem fomos e quem somos. E o que
seremos? Esse momento de derramamento de sangue, de destruição completa em que
vivemos, reflete o passado e o futuro possível. Esse é o espetáculo que busca a
construção, a criação do sonho que já foi. Reinventa o sonho de hoje. Espera
forjar uma luta ainda não totalmente entendida. As diversas camadas musicais
refletem a complexidade do mundo real e seus possíveis caminhos”, contou João
Milet Meirelles, diretor musical do espetáculo.
Sobre a Conjuração Baiana
A Revolta dos
Búzios, também conhecida como Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, foi
um levante popular inspirado nos ideais da Revolução Francesa (1789 - 1799) e
na Revolta de São Domingos, atual Haiti (1791 - 1804). O movimento político
aconteceu em Salvador (BA), em 1798, e teve como estopim a crise socioeconômica
que grande parte da população soteropolitana enfrentava, em contraposição à
manutenção do controle da Coroa Portuguesa e prosperidade de donos de engenho e
integrantes da alta burocracia da colônia.
O levante iniciou com apoio das elites
locais, insatisfeitas com o tratamento que a Coroa lhes dispensava. Elas viam
no rompimento do pacto colonial uma possibilidade de aumentar os lucros, poder
econômico e político. No entanto, essa parcela da população foi abandonando o movimento
à medida que foi se popularizando e se radicalizando. Isso se deu pela
participação de grupos, como os milicianos, artesãos e escravizados, que
entraram com agendas e ideias como liberdade, igualdade e justiça, conferindo
ao movimento contornos que poderiam pôr em xeque a manutenção de privilégios da
elite.
A rebelião
teve o envolvimento de nomes como o médico Cipriano Barata e o tenente Aguilar
Pantoja, dentre outros que nunca foram devidamente investigados. Mas os
principais representantes do movimento surgiram das camadas populares,
especialmente da população negra. Destaca-se a atuação de: Lucas Dantas (soldado),
Manuel Faustino (aprendiz de alfaiate), Luiz Gonzaga das Virgens (soldado),
João de Deus (mestre alfaiate) e Luíz Pires (ourives), que foram presos,
enforcados em praça pública e esquartejados – exceto o último, que escapou e
nunca foi encontrado – como consequência da dura repressão do governo de então.
Uma leitura dos búzios
Dias 25 e 26 de março. Sábado
às 20h e domingo às 18h.
14
anos.
Teatro.
356 lugares.
Ingressos: R$ 40,00
(inteira); R$ 20,00 (meia: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos,
aposentados e pessoas com deficiência); R$ 12,00 credencial plena (trabalhador
do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes).
Ingressos
à venda a partir de 14 de março em sescsp.org.br e nas bilheterias das unidades
a partir do dia 15.
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